segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Leviano


A mágoa quando através de nós toma as vestes da mentira

é um calibre qualquer apontado em nossa direção.


Então você se joga nas trincheiras do silêncio,

acuado,

com medo de qualquer argumento explodir

e detonar em instantes o que demorou anos pra começar.


A vida me pôs num tambor uma única chance pra acreditar.


O calibre mudou de estratégia,

mas não de direção.


Esta guerra,

tão barulhenta e tão insana

cobre o céu de outras mentiras que nos podem atingir.


Se então,

atento a vida do outro com meus erros,

o que farei quando um balaço alcançar minha paz?

terça-feira, 8 de julho de 2008

Ao relógio

Ande...
Aliás:
Corra...
Vamos, corra mais...

Apresse os ponteiros,
corte pela metade os dias que me restam só.
Ando te olhando desesperado,
estou ávido dos ardis desta aflição.

Já são mais de seis meses inteiros,
todos os dias de então,
de dez em dez minutos
estancando o sangue da saudade,
e estacando os sonhos de amor.

Acalme-se...
Aliás:
Tranqüilize-se...
Apesar de implacável, ninguém jamais lhe deu freios...

Concede-me não correr
e não nos jogue adiante demais.

Seja-nos justo:
Corra quando eu for pros abraços,
nos braços dela.
Acalme seus ponteiros,
quando sabendo não me amar o bastante,
seja capaz de amá-la tanto,
a ponto dos ponteiros silenciarem-se
em honra aos clamores de nossa felicidade.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Incomunicável


Hoje eu acordei com vontade de dormir de novo.
Todo dia nos dado é dia do novo,
dia de novo encanto,
de cantos antigos em qualquer um dos cantos do meu coração.
Acordei com saudade dos dias de poucos bolos,
de poucas velas,
dos presentes dados com muita pena,
muita penação e muita reza.

Aqueles eram dias eufóricos?
Não.
Eram sim,
máscaras da tristeza,
eram feridas abertas,
cobertas de um sonho esperando a verdade há mais tempo
que minha estação celebrada nas embalagens do hoje.

Hoje eu acordei sabendo que mudar é passar pela dor.
Eu soube que aquele tempo, todo o nada que eu tinha
é realmente nada do que tenho hoje.
Que falta nos faz a inocência,
das verdades nuas e desavergonhadas,
daquele quarto de todos nós,
um castelo em minhas ânsias,
Daquelas flores,
um jardim em meu paladar.

A dor não é a mesma continuamente
e nem para sempre.

Deus é o sempre,
comigo ininterruptamente.

E pra hoje,
colho os restos do passado e com ardor,
devoro as minúcias
pra semear os detalhes,
pois em retalhos,
vou costurando um cobertor de memórias,
e colhendo as histórias
pra eu sempre lembrar de mim
quando debaixo dele eu acordar.

Acordar com ela...

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Cantando para o Sol

As ruas de São Paulo, no fim de um entardecer de sábado, eu afirmo, são atmosferas torturantemente solitárias, portanto, não riam de mim, pois aqui, atrás dos prédios, é raro ver o Sol dormir.

Note que ninguém se importa com o Sol se despedindo do hoje.

Qualquer implicação deste nível é pura perda de tempo quando cabisbaixos caminhamos sabendo onde pisamos e não por onde vamos.

Deus do céu, o Sol sente falta de ser olhado enquanto entra num sentimento intransferível que só o desprezo nos causa.

E de tanta criação só, não é apenas o Sol, astro maior, carregado de luz intensa que sente a carência de alguém que o veja se despedir de nós.

A noite de sábado nem em seu auge estava quando eu, encostado num daqueles botecos de médio porte, pelas sete da noite, na hora da janta e não da festa, onde ao longe se vê banheiros abertos e nas paredes inúmeros azulejos rachados me admiro com alguém tão perto da solidão que nem o Sol em sua beleza ímpar imaginaria passar.

As minhas admirações são adoravelmente seguidas de uma série de espantos e neste bar, cheio de extravagância pessoal, um homem cortejou minha atenção bem mais que uma dona incrivelmente vestida de azul celeste e saia decorada de lantejoula e na boca, um batom de tom púrpuro, mas não tão delineado assim.

O boteco tinha um daqueles músicos talentosos que pra sobreviver, saca das costas um violão e de bar em bar, pede pra apresentar seus dons em troca de um cachê ou se servir da sorte de alguém que ao vê-lo, faça propostas melhores. Uma vez, me disseram que não fazem sucesso por serem feios, por isso, fazem questão de não lapidarem um talento perdido em qualquer endereço fácil de encontrar.

Tanto o Sol no fim de tarde quanto esse músico no intróito da noite não mastigam uma solidão caracterizada pelo isolamento e pelo encarceramento da comunicação e mais, um é só por ser brilhante demais para os nossos olhos fitarem sem alguma proteção e o outro, é feio demais pra você dar cinco minutos da sua vida pra sua voz.

O mundo da solidão não se perde no término de uma relação, mas se encontra quando sem saber, nos deparamos com quem, em algum lugar, seja na ponta do horizonte ou no banco de um boteco, ao lado do banheiro quer cantar pra qualquer um que queria esquentar a pele ou por trás dos prédios abrasar o coração.

Eu lhe disse cantor, sem dizer a você, que lhe escreveria um texto.

Promessa cumprida.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Farpas de algodão

Não...

Não foi por ter insistido em me ouvir, puxando seus braços, que ontem, nas horas da pausa, me recuou um olhar rancoroso.
Se o vexame de suas conclusões intelectuais não me satisfazem,a culpa é de quem não alcança o pensar ou de quem julga achando errado o que aprendeu?

Quando deixei encostado no orgulho a mim mesmo, eu não te pedi perdão.
Eu, esquecido de mim,
vi seu rosto acuado ensaiando o choro, vi a pele rosada quase roxeada...
Que raiva!
A erupção aguarda motivos pra nos incendiar o ódio e aumentar o orgulho.

Calma...
Vamos esperar o outro dia?

Desprezando qualquer uma das conclusões que em breve, se converterão em paz, eu sei, segui o outro dia orgulhoso.
Eu queria olhar, eu queria pedir perdão por dizer a verdade e por ter apontado falhas acreditando que assim, pudesse acertar e gozar da felicidade que as certezas nos transmitem.

No outro dia, um pretexto livrou a ferida, e o perdão surgiu no mesmo olhar.

Vamos tomar lanche pra confraternizar...

sábado, 24 de maio de 2008

A vinha de viver


Nós estamos bebendo e num gesto faço do cálice de vinho as minhas lentes: eis o meu mundo. Sendo assim, tomo-o pelas mãos para entender o que se passa com uma razão entregue à fuga de criações novas de significação, pois ali, esparramado no sofá, vejo vidas estabelecidas sob o reconhecimento de outros porque os julga, um aqui e outro ali, o porto seguro da tranqüilidade.

Os que bebem pra ter coragem precisam do vinho pra lhes ser a causa de uma audácia sem medo algum, outros, porém, vivem bebendo pra esquecer o que fizeram ou o que lhes fizeram, outros ainda pra enganar a fome de viver e finalmente, beber pra outros é poder exercer na ressaca o gosto do revertério sendo isso nós sob a forma de um pudim ignóbil saindo pela boca.

Já embocei o terceiro cálice de vinho, o seguinte já está pela metade e todos os meus amigos estão absolutamente entregues a um entorpecimento sem motivo. Quando bebo vinho, a dificuldade de existir se revela em mim, entre um e outro cálice, opta-se por enchê-lo ou não, opta-se por parar ou não, enfim, o problema em escolher parar ou continuar de beber parece tão trivial, mas não é.

Embora sinta a mesma vertigem que põe ao chão os meus amigos, eu ainda continuo ali, querendo saber se o meu cálice de vinho cheio ou vazio oferecerá a mim a inspiração nova de uma definição.

Atrás de definições encontramos muitas faíscas latentes no coração prestes a queimar ou a vida sentida a partir de um soco no estômago.

Não sei se estou embriagado pra fugir do viver ou com falta de ar pra sentir a vida quando na ausência disso o existir quer escapar.




quinta-feira, 15 de maio de 2008

A menininha


Depois da aula convidou-me um amigo para ir com ele almoçar e por na ocasião querer burlar meus caminhos de sempre, resolvi ir sabendo que minha presença o aliviaria na conversa ou ciente do meu estado frágil, pioraria suas convicções.


Eu nunca havia pensando que retardar suas atividades pra fazer bem a alguém fosse imediatamente compensador em situações onde raramente podemos tocar os estados sensíveis que a existência vez ou outra nos oferece.

Após o almoço, de carro, fui com ele até onde me serviria cortar caminho pra chegar em casa. Me deixou numa grande avenida e parei por lá pra pegar o ônibus.

Estava o tempo dando vaga pra chuva e o mormaço me vestia o corpo como um casaco pesado em dia de calor. Que terrível é sentir desconfortado o corpo quando parece que a alma está prestes a se desafogar do vazio como um ônibus cheio de gente querendo logo voltar pra garagem como se isso tivesse sopro de vida e vontade terrível de descanso. Isso era eu projetado num carro imenso cheio de gente como se eu estivesse cheio de eus. Por ali, andei testando aliviar a dor pensando poder resolver tudo o que sou sem saber de tantos eus.

Sentei-me ainda sonolento num dos bancos que compõe o conjunto do lugar onde esperamos o coletivo. Sem os óculos ainda é mais difícil enxergar, porém, sei das pistas que os ônibus me oferecem de longe, afinal, estou me referindo ao lugar móvel onde constantemente viajo dormindo com profundidade. Me lido com o que não vejo e não preciso de evidências claras pra saber que o que não sei é o que na verdade sei.

São tantas opções. Eu esperava um coletivo mais vazio afim de até minha casa, sentado, pudesse dormir. Se eu não tivesse ido almoçar, se eu não decidisse parar repentinamente naquela avenida e não tivesse esperando o segundo farol ao invés do primeiro pra atravessar, se não tivesse escolhido qualquer ônibus cheio ao invés do vazio, certamente não saberia que algo me esperava.

Essas pequenas escolhas tecem as grandes vias dos melhores e mais sutis acontecimentos aparentemente não talhados pelos que muitos não chamam de acaso, mas de alguma causa direcionada ao meu profundo e desconhecido desespero.

Pela janela, o ônibus não me traria dessa vez bancos vazios para eu dormir, mas sim, inocência e pureza que só uma criança concede as almas corrompidas pela mentira ou vendidas por capricho benéfico, assim, uma menininha me olha, me sorri e diz sem eu ouvir, lendo seus lábios, que me amava. Que espanto. Alguém me disse "eu te amo" sem querer por isso nada em troca.

O amor da criança enxerga para além do olhos e para aquém do desconhecido. Uma criança me disse em tom de pureza que me amava e isso me invadiu o calcanhar e foi se alojar na alma.

O ônibus foi embora. Eu dessa vez, nem dormi. Fui dentro do ônibus de pé pra me convencer que o amor não nos cansa e nem nos deixa dormir quando pensamos que amar nos cansa também.