
Nós estamos bebendo e num gesto faço do cálice de vinho as minhas lentes: eis o meu mundo. Sendo assim, tomo-o pelas mãos para entender o que se passa com uma razão entregue à fuga de criações novas de significação, pois ali, esparramado no sofá, vejo vidas estabelecidas sob o reconhecimento de outros porque os julga, um aqui e outro ali, o porto seguro da tranqüilidade.
Os que bebem pra ter coragem precisam do vinho pra lhes ser a causa de uma audácia sem medo algum, outros, porém, vivem bebendo pra esquecer o que fizeram ou o que lhes fizeram, outros ainda pra enganar a fome de viver e finalmente, beber pra outros é poder exercer na ressaca o gosto do revertério sendo isso nós sob a forma de um pudim ignóbil saindo pela boca.
Já embocei o terceiro cálice de vinho, o seguinte já está pela metade e todos os meus amigos estão absolutamente entregues a um entorpecimento sem motivo. Quando bebo vinho, a dificuldade de existir se revela em mim, entre um e outro cálice, opta-se por enchê-lo ou não, opta-se por parar ou não, enfim, o problema em escolher parar ou continuar de beber parece tão trivial, mas não é.
Embora sinta a mesma vertigem que põe ao chão os meus amigos, eu ainda continuo ali, querendo saber se o meu cálice de vinho cheio ou vazio oferecerá a mim a inspiração nova de uma definição.
Atrás de definições encontramos muitas faíscas latentes no coração prestes a queimar ou a vida sentida a partir de um soco no estômago.
Não sei se estou embriagado pra fugir do viver ou com falta de ar pra sentir a vida quando na ausência disso o existir quer escapar.