
NOTÍCIAS DE DENTRO DE MIM
Isto é o anelo de uma vida filosoficamente orientada. É igualmente o anseio pela existência submetida às exigências do cotidiano. Estas notícias são meditações solitárias e depois sua função é a comunicação com o semelhante. Vem pra cá você que sente falta da condição humana.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Albert Camus: "O pernil e o nada"

terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Uma história sobre a liberdade

Num opúsculo, Gramática da liberdade, um filósofo contemporâneo nos convida a meditar sobre fatos como estes:
“Um homem foi esmagado pelo comboio 131 na linha 3 da estação do metropolitano de Saint-Lazare... Esse homem tinha 29 anos. Ontem, Bernardo andava em uma das extremidades da plataforma, de um lado para outro; afastou-se dos passageiros, inclinou-se para olhar as luzes da máquina e foi lançado sobre os trilhos, de pés juntos e braços ao longo do corpo, como mergulhador. Com suas pernas cortadas, o rosto queimado, morreu imediatamente. Ele não mais dobrará a esquina da Rua Ordener, onde, ainda criança, aprendera os jogos de bolas de gude e de gato empoleirado; não mais subirá a escada estreita onde o mau cheiro de frituras e da latrina; não lerá, apoiado pelo fogão a gás, sob a fresta da cozinha os anúncios de emprego do Paristein libéré. Ele havia aprendido a profissão paterna: alfaiate de meia confecção; há cinco meses estava desempregado: pequenos anúncios, escadas, recusas duras... e, depois, suas roupas tornaram de tal forma andrajosas que não ousava mais sair.
(Algum de nós já ficou dias inteiros deitados na cama com a impressão de não ter mais aspecto de homem, num mundo que recusa seu trabalho?)
Bernardo ouvia as panelas de sua mãe, do outro lado do tabique, ele vive à custa da mãe; saiu ainda uma vez; na fábrica, recusaram-no para servente porque era muito fraco; no escritório, um chefe de serviço olhou hostilmente seus sapatos furados: não há vaga. Às sete horas da manhã do dia seguinte, ele se insinuou para a entrada do metrô de Saint-Lazare, na hora de volta ao trabalho. Todos estão presos ao relógio, preocupados com o trabalho. Ele está livre. É livre, pode ir ao museu ou ver as flores dos parques, é livre para pensar a física de Einstein ou na Imaculada Conceição. No momento ele se sente livre, sobretudo para escolher entre o bico de gás ou os carros do metrô.
São sete horas da manhã. Começa um dia de homem livre: Um homem foi esmagado pela composição 131. Bernardo, um homem livre entre os homens livres, foi esmagado por essa liberdade.
Isso revela um trágico brilho, a ambigüidade dessa palavra liberdade. O desempregado é livre, visto que não está sujeito aos horários da fábrica ou do escritório nem pelo peso da tarefa cotidiana. Ele é escravo, porque está sujeito à opressão da miséria. É livre para procurar o trabalho que os empregadores são livres para lhe recusar. E, em conseqüência, ele nem é mais livre para viver.
Huisman, Denis e Vergez, André. Curso moderno de filosofia: introdução à filosofia das ciências. Trad. Lélia de Almeida Gonzalez. 5a. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974. p. 317.
domingo, 14 de novembro de 2010
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
ENEM 2010: Questões de Filosofia
A ética precisa ser compreendida como um empreendimento coletivo a ser constantemente retomado e rediscutido, porque o produto da relação interpessoal e social. A ética supõe ainda que cada grupo social se organize sentindo-se responsável por todos e que crie condições para um exercício de pensar e agir autônomos. A relação entre ética e política é uma questão de educação e luta pela soberania dos povos. É necessária uma ética renovada, que se construa a partir da natureza de valores para organizar também uma nova prática política.
CORDI. et al. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2007 (adaptado)
A questão tinha um quadrinho da Mafalda dizendo numa fila para vacinar-se a uma enfermeira: "Viemos nos vacinar contra o despotismo"
JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
Uma suposta “vacina” contra os despotismo, em um contexto democrático, tem por objetivo
terça-feira, 20 de julho de 2010
Amigos na prosperidade ou na desventura?

O que se lê abaixo é um trecho do livro XI do Ética a Nicômaco de Aristóteles.
Devorem...
"Há mais necessidade de amigos na prosperidade ou na desventura? Em ambos os casos, na verdade, as pessoas procuram amigos, considerando que precisam de ajuda tanto os que enfrentam dificuldades na vida, como também aqueles que, mesmo vivendo na prosperidade, necessitam de companheiros e de pessoas a quem beneficiar, pois, o que eles querem mesmo é fazer o bem. Ter amigos na desventura é deveras a coisa mais necessária, pois é nesses momentos que há necessidade de pessoas úteis, mas ter amigos na prosperidade é mais honroso; por isso procuram-se amigos estimados, considerando que é preferível beneficiar este tipo de pessoas e passar o tempo junto deles. De fato, a presença dos amigos é de per si agradável tanto na prosperidade como também na má sorte, pois mesmo aqueles que sofrem, ficam aliviados se os amigos sofrem com eles. Por isso, alguém poderia se perguntar se isso ocorre porque os amigos tomam como que uma parte do peso sobre si, ou não é propriamente por causa disso, mas sim, porque, sendo a sua presença agradável, e a idéia de que outra pessoa está sofrendo junto conosco, tornam menos o sofrimento. Entretanto, se quem sofre seja aliviado por este ou por outro motivo, deixemos de investigar por enquanto, confirmando porém, em todo o caso, o que dissemos há pouco.
O efeito da presença dos amigos, por outro lado, parece ser algo complexo. De fato, o próprio fato de ver os amigos é agradável, e de modo especial a quem está passando por uma situação ruim, recebendo dos amigos uma ajuda contra o sofrimento (na verdade, quando o amigo é competente, leva consolação tanto pela sua presença como também através de suas palavras; pois, ele conhece não só o caráter da pessoa que está sofrendo, como também o que ela deseja e sente). Por outro lado, é doloroso perceber que um amigo se aflige pelas nossas desgraças; na verdade, cada qual procura evitar ser causa de sofrimento para os amigos. É por isso que os homens corajosos por natureza se resguardam de comunicar o próprio sofrimento aos seus amigos, e um homem desse tipo, mesmo sem exceder na própria sensibilidade diante da dor, não suporta causar a eles qualquer sofrimento. Além disso, ele próprio afinal, não se aproxima de pessoas inclinadas a choradeiras, pois ele próprio não gosta disso. As mulherzinhas, porém, e os homens demasiado sentimentais gostam daqueles que também se afligem com eles. Ora, é evidente quem em cada coisa é necessário sempre imitar o melhor. A presença dos amigos na prosperidade, no entanto, torna agradável a nossa maneira de viver, proporcionando-nos a idéia de que eles também gozam dos nossos bens. Por isso, parece ser uma atitude positiva convidar com solicitude os amigos na prosperidade (é honroso, na verdade, beneficiar alguém); porém, quanto a convidá-los na desventura, é bom usar de cautela (considerando ser necessário evitar que eles participem o menos possível dos nossos males, obedecendo ao ditado que reza: “para ser infeliz basto eu”). Entretanto, é necessário convidá-los, sobretudo quando eles, com um pequeno incômodo, podem ser para nós de grande ajuda.
É oportuno pois, de nossa parte, prestarmos socorro a quem passa por momentos difíceis mesmo sem sermos chamados e com prestimosidade (de fato, é próprio do amigo favorecer a outros, sobretudo beneficiar a pessoas que se encontram na necessidade, mesmo quando nada pretendem; isso na verdade é mais bonito e mais agradável para ambos); para com aqueles que vivem na prosperidade, porém, é oportuno tratá-los como solicitude, mas só para colaborar (de fato, é justamente por isso que há necessidade de amigos), ao passo que para receber benefícios é preciso proceder com cautela (de fato, não é honroso desejar receber favores). Por outro lado, é preciso igualmente evitar a fama de sermos intratáveis recusando qualquer benefício: como, por vezes, acontece realmente. Portanto, em todos os casos a presença dos amigos parece desejável"
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Minguado

Sabe aquela fome aguda de ideias brilhantes ou aquele acometimento imprevisto do coração quando se põe a escrever versos de amor?
Esta suavidade que com violência escreve no mundo coisas da vida num papel de pão,
num guardanapo usado,
num rascunho ou na palma da mão?
Gostaria que fosse eu estes homens que sonham palavras e que apresentam às páginas vazias o advento de um mundo fértil nas ponta dos dedos,
estes homens que mastigam da vida só o que dela podem digerir ou mesmo estes que de tardinha juntam as mãos agradecendo o espírito erudito das últimas e invencíveis luzes daquele que pode ser seu último Sol.
Eu vivo aqui nas minhas inúmeras contendas internas. Observo muitos e muitos carros vazios e ônibus cheios. Vejo os que dormem de pé e os que na vitrine indiscreta da noite vendem sua pureza em troca de pão. Quantas vezes sob o fardo das dificuldades hesitei em chorar? E quantas vezes chorei de dor por não compreender os pesares do mundo, por não me engajar efetivamente na dor do outro, por não acreditar que a injustiça venceu...
Estou cansado. Quando canso de viver, durmo para aplacar minhas ansiedades.
Quando a gente se cansa dos livros, das orações espontâneas, quando a gente se cansa da esperança, da beleza, quando a gente desdenha a nossa participação no sagrado, quando tendemos a querer o muito do que já temos sinto como se meus combates expusessem muros incógnitos, impossíveis de decifrar.
Apesar de tudo, há um certo alívio.
Prefiro fazer o café que não tomo, o pão com manteiga que não como.
Nesta estrada negativa, ascética onde nada é como tenho imaginado, assim, hei de caminhar por onde não conheço: desconhecendo para conhecer.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Amenizados

São Paulo, 27 de janeiro de 2008
À Alyria,
cujo amor me faz vencer a solidão radical da existência.
Afastados?
Leva distante então os nossos dias,
nossos momentos
e delírios vazios.
Envolva meus Deus em vosso tempo,
os esquecimentos de ontem
que hoje tentam renascer assim,
nesta condição desértica
tentando hoje impor renascendo,
barreiras enormes
e castelos sem fim...
Só não nos leve meu Deus
as mil sensações de desejo que valsam
em ritmo de sonho.
Ajude-nos ainda a sermos um só
em vosso altar e coração.
Isso que nos faz amar
seja sentido aqui,
na pele em arrepio,
na infinita paz e
sem distância,
sem termos,
no desejo e amor constantes.
Do teu Graziano.