sexta-feira, 9 de julho de 2010

Minguado


Sabe aquela fome aguda de ideias brilhantes ou aquele acometimento imprevisto do coração quando se põe a escrever versos de amor?
Esta suavidade que com violência escreve no mundo coisas da vida num papel de pão,
num guardanapo usado,
num rascunho ou na palma da mão?

Gostaria que fosse eu estes homens que sonham palavras e que apresentam às páginas vazias o advento de um mundo fértil nas ponta dos dedos,
estes homens que mastigam da vida só o que dela podem digerir ou mesmo estes que de tardinha juntam as mãos agradecendo o espírito erudito das últimas e invencíveis luzes daquele que pode ser seu último Sol.

Eu vivo aqui nas minhas inúmeras contendas internas. Observo muitos e muitos carros vazios e ônibus cheios. Vejo os que dormem de pé e os que na vitrine indiscreta da noite vendem sua pureza em troca de pão. Quantas vezes sob o fardo das dificuldades hesitei em chorar? E quantas vezes chorei de dor por não compreender os pesares do mundo, por não me engajar efetivamente na dor do outro, por não acreditar que a injustiça venceu...

Estou cansado. Quando canso de viver, durmo para aplacar minhas ansiedades.

Quando a gente se cansa dos livros, das orações espontâneas, quando a gente se cansa da esperança, da beleza, quando a gente desdenha a nossa participação no sagrado, quando tendemos a querer o muito do que já temos sinto como se meus combates expusessem muros incógnitos, impossíveis de decifrar.

Apesar de tudo, há um certo alívio.
Prefiro fazer o café que não tomo, o pão com manteiga que não como.
Nesta estrada negativa, ascética onde nada é como tenho imaginado, assim, hei de caminhar por onde não conheço: desconhecendo para conhecer.

Nenhum comentário: