terça-feira, 20 de julho de 2010

Amigos na prosperidade ou na desventura?


O que se lê abaixo é um trecho do livro XI do Ética a Nicômaco de Aristóteles.
Devorem...

"Há mais necessidade de amigos na prosperidade ou na desventura? Em ambos os casos, na verdade, as pessoas procuram amigos, considerando que precisam de ajuda tanto os que enfrentam dificuldades na vida, como também aqueles que, mesmo vivendo na prosperidade, necessitam de companheiros e de pessoas a quem beneficiar, pois, o que eles querem mesmo é fazer o bem. Ter amigos na desventura é deveras a coisa mais necessária, pois é nesses momentos que há necessidade de pessoas úteis, mas ter amigos na prosperidade é mais honroso; por isso procuram-se amigos estimados, considerando que é preferível beneficiar este tipo de pessoas e passar o tempo junto deles. De fato, a presença dos amigos é de per si agradável tanto na prosperidade como também na má sorte, pois mesmo aqueles que sofrem, ficam aliviados se os amigos sofrem com eles. Por isso, alguém poderia se perguntar se isso ocorre porque os amigos tomam como que uma parte do peso sobre si, ou não é propriamente por causa disso, mas sim, porque, sendo a sua presença agradável, e a idéia de que outra pessoa está sofrendo junto conosco, tornam menos o sofrimento. Entretanto, se quem sofre seja aliviado por este ou por outro motivo, deixemos de investigar por enquanto, confirmando porém, em todo o caso, o que dissemos há pouco.

O efeito da presença dos amigos, por outro lado, parece ser algo complexo. De fato, o próprio fato de ver os amigos é agradável, e de modo especial a quem está passando por uma situação ruim, recebendo dos amigos uma ajuda contra o sofrimento (na verdade, quando o amigo é competente, leva consolação tanto pela sua presença como também através de suas palavras; pois, ele conhece não só o caráter da pessoa que está sofrendo, como também o que ela deseja e sente). Por outro lado, é doloroso perceber que um amigo se aflige pelas nossas desgraças; na verdade, cada qual procura evitar ser causa de sofrimento para os amigos. É por isso que os homens corajosos por natureza se resguardam de comunicar o próprio sofrimento aos seus amigos, e um homem desse tipo, mesmo sem exceder na própria sensibilidade diante da dor, não suporta causar a eles qualquer sofrimento. Além disso, ele próprio afinal, não se aproxima de pessoas inclinadas a choradeiras, pois ele próprio não gosta disso. As mulherzinhas, porém, e os homens demasiado sentimentais gostam daqueles que também se afligem com eles. Ora, é evidente quem em cada coisa é necessário sempre imitar o melhor. A presença dos amigos na prosperidade, no entanto, torna agradável a nossa maneira de viver, proporcionando-nos a idéia de que eles também gozam dos nossos bens. Por isso, parece ser uma atitude positiva convidar com solicitude os amigos na prosperidade (é honroso, na verdade, beneficiar alguém); porém, quanto a convidá-los na desventura, é bom usar de cautela (considerando ser necessário evitar que eles participem o menos possível dos nossos males, obedecendo ao ditado que reza: “para ser infeliz basto eu”). Entretanto, é necessário convidá-los, sobretudo quando eles, com um pequeno incômodo, podem ser para nós de grande ajuda.

É oportuno pois, de nossa parte, prestarmos socorro a quem passa por momentos difíceis mesmo sem sermos chamados e com prestimosidade (de fato, é próprio do amigo favorecer a outros, sobretudo beneficiar a pessoas que se encontram na necessidade, mesmo quando nada pretendem; isso na verdade é mais bonito e mais agradável para ambos); para com aqueles que vivem na prosperidade, porém, é oportuno tratá-los como solicitude, mas só para colaborar (de fato, é justamente por isso que há necessidade de amigos), ao passo que para receber benefícios é preciso proceder com cautela (de fato, não é honroso desejar receber favores). Por outro lado, é preciso igualmente evitar a fama de sermos intratáveis recusando qualquer benefício: como, por vezes, acontece realmente. Portanto, em todos os casos a presença dos amigos parece desejável"

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Minguado


Sabe aquela fome aguda de ideias brilhantes ou aquele acometimento imprevisto do coração quando se põe a escrever versos de amor?
Esta suavidade que com violência escreve no mundo coisas da vida num papel de pão,
num guardanapo usado,
num rascunho ou na palma da mão?

Gostaria que fosse eu estes homens que sonham palavras e que apresentam às páginas vazias o advento de um mundo fértil nas ponta dos dedos,
estes homens que mastigam da vida só o que dela podem digerir ou mesmo estes que de tardinha juntam as mãos agradecendo o espírito erudito das últimas e invencíveis luzes daquele que pode ser seu último Sol.

Eu vivo aqui nas minhas inúmeras contendas internas. Observo muitos e muitos carros vazios e ônibus cheios. Vejo os que dormem de pé e os que na vitrine indiscreta da noite vendem sua pureza em troca de pão. Quantas vezes sob o fardo das dificuldades hesitei em chorar? E quantas vezes chorei de dor por não compreender os pesares do mundo, por não me engajar efetivamente na dor do outro, por não acreditar que a injustiça venceu...

Estou cansado. Quando canso de viver, durmo para aplacar minhas ansiedades.

Quando a gente se cansa dos livros, das orações espontâneas, quando a gente se cansa da esperança, da beleza, quando a gente desdenha a nossa participação no sagrado, quando tendemos a querer o muito do que já temos sinto como se meus combates expusessem muros incógnitos, impossíveis de decifrar.

Apesar de tudo, há um certo alívio.
Prefiro fazer o café que não tomo, o pão com manteiga que não como.
Nesta estrada negativa, ascética onde nada é como tenho imaginado, assim, hei de caminhar por onde não conheço: desconhecendo para conhecer.